sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Degola de policial na Praça da Matriz, em Porto Alegre, é ficção, diz jornalista

A morte do cabo da Brigada Militar Valdeci de Abreu Lopes durante confronto com sem terra em 1990 em Porto Alegre está sendo reavivada para criminalizar o Movimento Sem Terra (MST). A opinião é da jornalista e cientista social Débora Franco Lerrer, que escreveu um livro em que contesta a versão oficial dos jornais da época. A reportagem é de Raquel Casiraghi e publicada pela Agência de Notícias Chasque, 13-08-2008.Segundo Débora, o policial não foi "degolado", como ainda afirmam hoje os veículos de comunicação, mas sim levou um golpe de faca certeiro no pescoço. A jornalista também enfatiza que Valdeci não foi vítima de um ataque isolado, mas sim de todo um contexto de violência em que os agricultores, acuados pela Brigada Militar na Praça da Matriz, estavam fugindo e acabaram se deparando com o policial na Esquina Democrática."Imagine uma boiada correndo. Qualquer coisa que pare essa boiada deixa sem controle. É um assunto muito complexo, muito triste. Uma tragédia, na verdade. Mas que tem que ser colocada neste contexto, do que efetivamente aconteceu", afirma.O conflito iniciou na Praça da Matriz, quando a Brigada Militar decidiu realizar o despejo sem a ordem do governador em exercício da época. Com a ação violenta, muitos sem terra fugiram rua abaixo em direção à prefeitura da Capital. Quando passaram pela Esquina Democrática, um grupo se deparou com o cabo Valdeci.Segundo relatos que ouviu na época, Débora conta em seu livro que o soldado, sentindo-se amedrontado com a multidão, acabou atirando três vezes e acertou dois agricultores. Os tiros deram início a um outro conflito, em que Valdeci foi morto."Não quero justificar a morte de Valdeci, porque as mortes não se justificam. Só acho que no contexto da luta pela reforma agrária na época e ainda hoje explica porque ainda pisam nessa tecla [porque os meios de comunicação e demais forças sociais], que é classificar o MST como violento, que é criminoso, "vejam, ele matou um policial". E as coisas não são assim", diz.Para Débora, o soldado Valdeci foi vítima das mesmas forças sociais que querem criminalizar o MST e demais movimentos sociais. A homenagem feita pela Brigada Militar no último dia 08 de Agosto, apenas depois de 18 anos do ocorrido, serviria como exemplo.A cientista social também responsabiliza os jornalistas da época, que criaram o mito da "degola" da Praça da Matriz, pelo qual os sem terra são acusados até hoje. "Não é o que me parece. A cristalização e o monumento um episódio sob o ponto-de-vista hegemônico, sem levar em consideração todas as versões que existem. Não se aprimorou a leitura do passado. Ao contrário da História, que pretende, com novos dados, aprimorar a leitura do que aconteceu", diz.